
Quem foi Arthur Schopenhauer?
Arthur Schopenhauer (1788–1860) foi um dos filósofos mais influentes do século XIX e um dos grandes nomes do chamado pessimismo filosófico. Saiba mais sobre o Pessimismo Filosófico clicando aqui. Nascido em Danzig, atual Gdańsk na Polônia, foi educado em Hamburgo e estudou em Göttingen e Berlim, onde teve contato com os principais nomes da filosofia alemã. Profundamente influenciado por Kant, Platão e também por tradições orientais como o budismo e o hinduísmo, Schopenhauer construiu uma filosofia original, provocadora e marcadamente sombria sobre a condição humana.
Sua principal obra, “O Mundo como Vontade e Representação”, publicada em 1818, é um tratado monumental que propõe uma divisão entre o mundo tal como o percebemos (representação) e o que ele é em si mesmo (vontade). Para ele, tudo o que existe é manifestação de uma força cega e irracional — a vontade de viver — presente não apenas nos seres humanos, mas em toda a natureza, em todos os seres vivos e processos naturais. Essa vontade se manifesta como desejo, impulso, luta, carência e, portanto, como sofrimento contínuo.
Saiba mais sobre a vida de Schopenhauer em sua biografia aqui no Blog.
O isolamento de Schopenhauer
Schopenhauer viveu boa parte da vida em relativo isolamento. Embora sua filosofia só tenha sido plenamente reconhecida tardiamente, sua influência ecoou fortemente em pensadores como Nietzsche, Freud, Tolstói, Thomas Mann e Wagner. Sua escrita clara e contundente o tornou um dos poucos filósofos de seu tempo capazes de atingir tanto o público erudito quanto leitores não especializados.
A vontade é insaciável. Assim que um desejo é realizado, outro toma seu lugar. Vivemos em uma eterna busca que nunca se conclui, e isso nos aprisiona em um ciclo sem fim de angústia, frustração e desilusão. É nesse contexto que Schopenhauer afirma uma de suas frases mais célebres e perturbadoras: “A vida é uma constante oscilação entre a dor e o tédio.”
O que significa “A vida é uma constante oscilação entre a dor e o tédio”?
Essa frase é uma síntese brilhante da antropologia pessimista de Schopenhauer. Para ele, a experiência da vida humana é marcada por dois polos fundamentais:
- Dor: é o estado de quem deseja algo que ainda não possui. Desejamos porque sentimos falta. Sofremos porque a realidade não corresponde às nossas expectativas. O querer é sempre marcado por frustração, luta e insatisfação. Toda necessidade é sofrimento enquanto não atendida.
- Tédio: é o estado que surge quando não há mais o que desejar. Quando um desejo é satisfeito, ele perde seu valor. E, se não há novo desejo que nos mova, caímos no vazio, na apatia, no tédio. O tempo passa lentamente, e o ser humano se vê diante do absurdo de sua própria existência. O prazer, quando não é seguido por um novo anseio, se dissolve em monotonia.
Assim, a vida humana, segundo Schopenhauer, nunca encontra um estado de equilíbrio ou realização plena. Está sempre pendendo de um lado ao outro — como um pêndulo que nunca repousa — entre a agonia da carência e o vazio do saciamento.
Essa ideia ajuda a explicar por que muitas pessoas vivem em constante insatisfação. Mesmo quando alcançam metas ou conquistas, rapidamente se sentem vazias ou inquietas. A felicidade, nesse modelo, é sempre breve, efêmera — e ilusória.
A vontade como fonte inesgotável de sofrimento
No centro da filosofia schopenhaueriana está a ideia da vontade como essência do mundo. Essa vontade não é individual, mas cósmica, universal. É a força que move tudo: as marés, os planetas, as plantas que crescem, os animais que caçam, os humanos que amam, odeiam, desejam, conquistam e sofrem.
O problema é que essa vontade não conhece repouso. Ela não é guiada por razão ou propósito. Deseja por desejar, move por mover, sem direção última. E ao ser humano, dotado de consciência, cabe a tragédia de perceber isso. Somos, segundo Schopenhauer, animais conscientes de sua miséria.
Essa percepção torna o sofrimento humano ainda mais agudo. Diferente dos animais, que sofrem sem saber, nós sofremos sabendo que sofremos — e sabendo que sofreremos novamente. Nossa inteligência, que nos distingue, também é o fardo que nos condena a uma vida de angústia reflexiva.
Essa vontade também se manifesta nos impulsos irracionais que nos dominam: o ciúme, o orgulho, a inveja, a ambição desmedida. Mesmo quando sabemos que algo nos prejudica, continuamos desejando, sendo arrastados por forças que muitas vezes não compreendemos. Somos, como diria ele, marionetes da vontade.
Tédio: o veneno do vazio existencial
Quando, por algum motivo, conseguimos escapar momentaneamente da dor — seja pelo prazer, pela conquista ou pela distração — surge o tédio. Esse tédio, para Schopenhauer, não é mera ociosidade: é o encontro com o vazio. É o momento em que a consciência percebe que, apesar de não haver dor imediata, também não há sentido.
Sem algo a desejar, sem algo a temer, o ser humano se confronta com a ausência de propósito. Percebe que nada do que acumulou basta. Que nenhum bem, nenhuma relação ou reconhecimento é suficiente para preencher a inquietação do existir. O tempo, nesse estado, torna-se um fardo. Cada minuto se alonga.
É por isso que o tédio, embora muitas vezes negligenciado, é para Schopenhauer tão devastador quanto a dor. Ele é a prova de que nem mesmo a ausência de sofrimento é suficiente para garantir o bem-estar. A mente humana, inquieta por natureza, precisa de movimento — mas esse movimento, inevitavelmente, volta a gerar sofrimento.
Por isso, muitos mergulham em novos ciclos de consumo, de desejo, de busca incessante — tentando fugir do tédio como quem foge do abismo. Mas esse ciclo se repete. A vida gira, e o pêndulo retorna ao outro extremo: a dor.
O mundo como erro: a visão metafísica de Schopenhauer
Schopenhauer acreditava que a existência, em si, é um equívoco metafísico. O mundo não tem finalidade moral, não foi feito para nossa felicidade. Tudo é produto de uma força absurda e irracional que se afirma por pura necessidade de afirmar-se.
Essa concepção se aproxima de tradições orientais como o budismo, onde o desejo é visto como causa do sofrimento. No entanto, Schopenhauer dá a essa visão um contorno filosófico ocidental, racional e sistemático.
Ele via a natureza como indiferente, e o progresso como uma ilusão. A história não caminha rumo à redenção — caminha, talvez, rumo à repetição ou ao colapso. A humanidade está presa em sua própria vontade, e isso se expressa nas guerras, nas ambições, na vaidade, no sofrimento dos inocentes.
O mundo, nessa visão, é como um pesadelo que insiste em repetir-se. O nascimento é o início do sofrimento. A vida é luta, desgaste, competição. A velhice é decadência. E a morte, longe de ser uma tragédia, é o único alívio definitivo — ainda que o ciclo possa reiniciar em outros corpos e formas.
Existe saída? Os caminhos da negação da vontade
Apesar de sua visão sombria, Schopenhauer não é um pensador do desespero absoluto. Ele acredita que é possível aliviar o sofrimento — ainda que não seja possível anulá-lo totalmente. E propõe três caminhos principais:
- A arte: Ao contemplar a beleza de uma obra de arte, da música, da literatura, somos transportados para fora de nós mesmos. Por um instante, esquecemos nossos desejos, e entramos em contato com a pura forma. A arte nos salva momentaneamente do ciclo da vontade. A música, em especial, era considerada por ele a expressão mais direta da vontade, e, ao mesmo tempo, uma forma de transcendê-la.
- A compaixão: Ao percebermos que todos os seres sofrem como nós, nasce a empatia. A compaixão é a base da moral verdadeira. Ela rompe o egoísmo e nos conecta ao outro — não como rival, mas como companheiro na dor. Para Schopenhauer, só podemos agir moralmente quando reconhecemos no outro uma vontade semelhante à nossa.
- A negação da vontade: Inspirado em práticas ascéticas e no misticismo oriental, Schopenhauer via no ascetismo (renúncia dos desejos, dos prazeres, da vaidade) uma possibilidade de libertação parcial. O sábio, para ele, é aquele que silencia seus impulsos, renuncia ao mundo e encontra paz no desapego. Não se trata de negação amarga, mas de um distanciamento sereno — de alguém que compreende que nada no mundo pode satisfazer plenamente.
Por que essa frase ainda importa?
Em pleno século XXI, cercados de tecnologias, distrações, promessas de felicidade instantânea e produtos que prometem prazer contínuo, muitas pessoas ainda se veem presas no ciclo que Schopenhauer descreveu. Sofremos por não ter. E, quando temos, nos cansamos. Buscamos mais — e sofremos novamente.
O tédio moderno, presente mesmo em meio ao excesso de estímulos, confirma sua intuição: o problema não é a falta de coisas, mas o excesso de desejos.
A frase “A vida é uma constante oscilação entre a dor e o tédio” continua relevante porque nos obriga a olhar com sinceridade para nossa condição. Ela nos convida a questionar a cultura da produtividade, da autoajuda vazia, da ilusão de plenitude permanente.
Schopenhauer não oferece consolo fácil — mas oferece uma forma de lucidez. Ao compreender os mecanismos do sofrimento, podemos lidar melhor com ele. Ao aceitar que o mundo não é um parque de diversões, talvez possamos parar de exigir tanto da vida — e com isso, sofrer menos.
Talvez, ao aceitar essa oscilação como parte da vida, possamos viver com mais humildade, mais compaixão e mais autenticidade. E, como ensinava Schopenhauer, talvez encontremos, na arte, na ética e na contemplação, momentos de respiro — instantes de silêncio no meio do ruído incessante do querer.
A vida, afinal, pode não ser feita para nos satisfazer — mas pode, talvez, ser compreendida. E nisso reside uma forma de liberdade.